quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

VAGAS X QUALIDADE

A ação da Justiça segundo a ótica do direito à escola pública de qualidade - e para todos - tem chegado com força aos meios de comunicação. Afinal, decisões judiciais tendem a ganhar um bom espaço nos noticiários. O fato é que a educação, finalmente, está ganhando visibilidade no país. Ao mesmo tempo, e também por isso, nossa democracia competitiva tem feito com que a educação passe a ser tema para o mercado de votos, o que pode ser uma ferramenta popular poderosa para a exigência da garantia desse direito.

Chegou a hora, porém, de avançar na questão. O debate em torno do direito à educação, desde que entrou na agenda de governos, Justiça e sociedade, tem ficado em torno da criação de vagas. A qualidade fica de lado. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todo cidadão tem o direito de acesso ao conhecimento produzido pela sociedade. E, no Brasil, nem mesmo nas escolas particulares isso é garantido. Pela Constituição, a qualidade do ensino significa oferecer ao estudante uma formação capaz de torná-lo um cidadão pleno, desenvolvendo seu senso crítico e sua capacidade de participar da sociedade e do mercado de trabalho - o que também não se verifica.

Porém, como reivindicar do poder público a qualidade do ensino? Que parâmetros utilizar para exigir que as crianças aprendam? "Por muitas vezes, na academia, tentamos debater o que fazer para acionar o Estado em função da qualidade do ensino público. No entanto, eu só encontrava números. Sabia quanto custava um aluno por ano, por exemplo, mas não tinha parâmetros para saber o que estava embutido nisso e o que poderia ser exigido. Se das verbas saísse o combustível para o carro do secretário de educação, como contestar a legitimidade do gasto?", questiona Motauri.

Foi com preocupação que a equipe da Campanha Nacional pelo Direito à Educação criou o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), que traz parâmetros estruturais (físicos e humanos) para cada etapa do ensino. Pelos cálculos, faltam R$ 29 bilhões para o Brasil garantir educação com o mínimo de qualidade aos alunos atualmente matriculados nas redes públicas. Isso sem contar com o Plano Nacional de Educação que, se cumprido, promoverá a ampliação do atendimento em outras etapas - fazendo os investimentos saltarem para R$ 232 bilhões ao ano (cerca de 8% do Produto Interno Bruto). "Em vez de a lei determinar os percentuais dos impostos direcionados à educação, deveria ser feita a conta de quanto está faltando e, a partir disso, buscar formas de custear a educação", afirma Daniel Cara.

Para que o CAQi, no entanto, possa de fato fazer diferença na vida dos estudantes, o CNE está prestes a incorporar o documento como referência oficial - o que aumenta sua característica de exigibilidade. "Além disso, é importante que a família de um aluno possa com o documento verificar se a escola do filho tem tudo aquilo que está descrito. Em um Estado como São Paulo, por exemplo, em que as verbas do Fundeb são maiores que o CAQi, a população vai poder contestar as enormes filas e a falta de creches", avalia Daniel.

Além da questão do custeio, a Campanha pretende, com o tempo, avançar no quesito qualidade e incorporar ao CAQi questões abordadas nos Indicadores de Qualidade (existentes para a educação infantil e o ensino fundamental). Com isso, seria levado em conta não só se a escola tem colchonetes e laboratórios, mas também se nela há um clima de respeito, favorável ao desenvolvimento dos jovens, ou a coibição de práticas de violência moral, por exemplo, outros direitos humanos fundamentais que a escola deve garantir. O terceiro ponto sensível, e que ainda demandará discussão, é a avaliação. Segundo Daniel, o Brasil muito avançou, mas "é preciso criar metas com caráter de oficialidade, abrindo precedentes para que famílias e a sociedade possam exigir que todas as escolas públicas tenham determinados indicadores de qualidade", afirma.

Para Nina Ranieri, da USP, aumentar o acesso à escola e dar instrumentos para que a população saiba avaliar e exigir educação de qualidade é uma forma de consolidar a democracia do país.

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